Sunday, 8 July 2012

o carma do peixe, ou as lagrimas do crocodilo?

no dia fatídico, o moço ofereceu um peixe de setenta. e a gente pediu o de sessenta. o de sessenta, serviria tres na boa. quando foi servido, parecia maior que o de sessenta. e mesmo assim a gente comeu. mas se pá, só eu se pa percebi a diferença do tamanho na travessa. ou não. mas como tava com a indri e com minha mãe, que tem percepções mais avançadas em relação a coisas precisas como tamanho e quantidade, relaxei. na alegria da janta juntas, a gente comeu quase tudo. na hora da conta, ele cobrou setenta. a gente tentou explicar que tinhamos pedido o de sessenta. e ele ficou vermelho de raiva.  não eram os dez reais. era uma questão de que não tínhamos pedido o de setenta. e sim o de sessenta. nós três sabiamos disso. nós tres concordamos em pedir o de sessenta juntas, e aquilo era muito certo para nos. e o que era justo, era justo. ou não. o moço disse que a gente tinha pedido o de setenta. e a gente disse que não. e ele disse que sim. e depois ficou mais vermelho. e bufou. depois chorou. depois disse que tinha escolhido o melhor peixe pra gente. e se não pagássemos, sairia do bolso dele. eu, que tendo a acreditar nos garçons, acredidei no moço de cara. as outras ficaram cabreiras. pagamos mesmo assim. a sensação de nao saber se te passaram a perna ou nao eh horrível. e ter de considerar essa possibilidade eh uma coisa dolorosa. lagrimas, todo mundo tem. novela, a gente já viu. encenar, começa-se cedo. entao, quem tava falando a verdade? e o que eh a verdade? e de que ponto de vista? 
desci hoje  na rodoviária do tiete as quatro e meia da manha. o metro começava a funcionar as seis. e eu tava de boa em esperar. apesar de um pouco cabreira em andar ainda na madruga por aqui. não sei. considerei um taxi. e o cara surgiu. "taxi, taxi...".quanto custa mais ou menos daqui ate a rua santo amaro, perto do Anhangabaú? sete e noventa. entendi sete e noventa. no meu sono. nas quatro da madruga. depois de mil horas de role. fora a dislexia e a toda aquela coisa. nao suspeitei. eu juro. o cara me levou para uma garagem atras do terminal. um carro sem placa de taxi. titubiei em entrar. e ele me explicou que eles eram da cooperativa. e que tava tudo certo. e que eu ia chegar em casa a salvo. a explicação me convenceu. ou eu queria ser convencida por ela. talvez. queria chegar em casa. e o cara nao parecia um vilao. entrei no carro. viemos numa conversa amena, sobre o tempo e a chuva. fazia frio. faz frio. pensei, só agora, sobre os sete e noventa. e, nesta hora, este valor, pareceu menos provalvel. me convenci em pensamento, que ele poderia ter falado dezessete e noventa. dezessete e noventa ainda seria ok. caro mas ok. para o conforto de chegar em casa ainda as cinco e dormir ate a hora do domingo começar. qualquer minuto conta quando se esta na contagem regressiva. então, valia, sim, a pena. ate vinte reais, ok. 
chegamos na frente do famoso predinho. ele me diz: "sessenta e oito reais". eu me choco. me choco com todo meu coração. como assim moço? sessenta e outo reais, sete e noventa o quilometro, foi o que te falei. ca ra lho. ca ra lho. e minha passagem para o rio tinha sido setenta e cinco. como assim???? mas moço, eu não tenho esse dinheiro. como assim, você me faz vir ate aqui e fala agora que nao tem dinheiro? eu entendi sete e noventa. sete e noventa o quilometro, eu te expliquei. ele nao explicou. ele nao ex pli cou. mas pode ter falado, sim. sete e noventa o quilometro, claro que ele deve ter falado. 
comecei a chorar. e a chorar. por tudo. por toda a vida. por todas as coisas que não pergunto direito. pelas conclusoes equivocadas. pelos mal entendidos de uma vidinha de trinta anos cheia de tropeços. eu choro, profundamente. ele diz "calma moça, também nao tem porque chorar. me de o que voce tiver que ta certo". remexo minha carteira e lanço trinta reais. eh tudo que tenho moço. ta bom. vai pra casa descansar moça. obrigada moço, desculpe pelo inconveniente. nao tem problema. mas tinha problema. claro que tinha. na cabeça dele, também passaram mil coisas. incertezas. ou certezas. historias parecidas. não deve ter sido a primeira vez. ou talvez para ele, trinta ja tava ok, ja que não era oficial, e poucas pessoas em são paulo entrariam num taxi sem registro e sem placa de taxi no topo. o que era o que? eu não sei. ele também, acabou sem saber. mas certamente, ele duvidou de mim. das minhas lagrimas. da minha cena. enganei ele? me enganei? mas sessenta e oito eu não ia pagar. eu não queria pagar. nao era justo pagar. mas era justo, poque. se ele explicou, eu aceitei. então alguma injustiça rolou. ou não. e são pontos-de-vista. mas me doeu. e a ele, alguma coisa, causou. a mim, angustia. muita angustia. 
entro no prédio cabisbaixa. subo seis andares. abro a porta. as plantinhas estão murchas. eu estou murrrcha também. sento, choro. nao sei porque. talvez por tudo. por nada. pelo vazio. pela morte. pela duvida. pelo medo. não sei. choro. eh um recurso bom que vem com o corpo humano, esse de chorar. senão não escorreria, e isso ficaria la dentro. então eu uso. e choro. e penso no garçom de goias. acho que foi uma resposta. decido escrever sobre isso. 

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