Tuesday, 2 April 2013

jurandir

e então é manhã de terça. e ele vem à minha porta. olhar azul. e calmo. uma voz tranquila. ofereço uma xícara de café. ele aceita. deixamos a porta aberta para facilitar o processo. ele abre a lata de tinta. revesa as mãos entre o café e o rolinho cheio de branco. começa a contar-me num tom brando, sobre sua trajetória. é do maranhão. chegou no interior jovem. e foi de cara aprender a trabalhar com a guilhotina. cortava vidros para luminárias para exportação. coisa fina fernanda. mas depois dos trinta e cinco, já não te querem mais. e me ensaia a loucura. cinquenta horas semanais de trabalho. na metalúrgica, noventa por cento do funcionários adoece. pode procurar. quando eu saí, meu corpo ficou cheirando óleo por seis meses, eu sentia o cheiro. e tenho três amigos que enlouqueceram trabalhando lá. o som. as máquinas. o cheiro. o ferro. entra na gente. e eu já não sabia mais o que era esquerda. e o que era direita. é a depressão. todo mundo fica deprimido na metalúrgica. eu imagino. só imagino. ele sabe. e teve outro que teve pânico. sabe o que é pânico? acho que não sei moço. ele segue com o rolo. minha porta mais branca. eu, mais bege. ele me conta que o dono da fabrica lia gibi no meio do turno. e que ele queria pagar o café para os funcionários com o dinheiro do bolso. nem café a gente tinha. teve de sair. mas sente saudade de alguma coisa. algum canto seu que aprendeu a conviver com aquela história. e veio chegar em são paulo agora. aqui, você tem de perguntar muito, senão te enrolam. é verdade moço. eu não faço isso aqui. isso aqui não sou eu. me mostra uma foto de uma casa. eu que fiz, com minhas próprias mãos. mas agora é só saudade, sofre. eu me encolho. aquela enorme varanda vendida para uma família da praia grande. e sua filha, morando expremida nesse prédio. ele agora estuda para terminar os estudos. é que eu não sou bom de matemática. mas consigo interpretar qualquer desenho. me conta que gosta de ler. eu falo para ele escrever isso tudo. ele me pergunta se dá pra escrever sobre isso. escreva por favor. enquanto ele não começa, eu sento meio asfixiada aqui no computador. ele, agora na casa do lado, segue clareando nossas portas. num ar sereno. guardando num corpo pequeno. essa intangibilidade sua.

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