Friday 26 October 2012

fala coracao

isso foi em 1991. comecou no gira-gira do parquinho maior da escola. o gilberto sentou do meu lado. o gira-gira vervelho. e o gilberto chegando. gilberto sentou do meu lado. e comecamos a rodopiar. gilberto era loiro. cabelo quase respado. olho preto. e oculos grande preto. ou pelo menos eh assim que eu me lembro dele. gilberto era amavel. e gostava de mim. gilberto gostava de mim. e me seguia no recreio. e eu gostava do gilberto. mas nao sabia se gostava dele me seguindo no recreio. eu secretamente gostava. mas parecia um conflito social expor aquela historia ali no meio da escola. tinha alguma coisa subjetiva na minha cultura, que me fazia sentir vergonha daquele amor. e tinha alguma outra coisa subjetiva na minha cultura, que me dizia que eu deveria me constranger com aquela situacao. comecei entao, a evitar o gilberto. e ele vinha falar comigo. e eu saia de perto. querendo ficar. saia de perto. e depois ele saia de perto. e nao falei mais com o gilberto. e eu vi o gilberto sofrer a minha rejeicao na minha frente.  e eu ri do gilberto. e ele chorou. e entao. eu maltratei o gilberto. e fiz a classe inteira maltratar o gilberto. eu fui muito ma mesmo. e nao sei porque fui ma. secretamente, sentia falta do gilberto quando ele nao vinha na aula. e, secretamente, esperava encontra-lo por acaso numa festa inesperada fora dali. mas na escola, eu nao sabia porque, eu nao podia ceder. amei o gilberto, secretamente, por um ano pelo menos. em 1992, o ano letivo comecou na quarta-serie. o gilberto nao apareceu na sala. meu coracao doeu. ninguem sabia do gilberto. e ninguem pareceu importar-se com a ausencia dele no espaco. eu sofri. ninguem mais falou do gilberto. eu sofri, sem entender direito, sem entender o porque. e porque eu tinha feito as coisas que eu fiz. senti-me responsavel por sua saida da escola. por algum problema que ele possa ter enfrentado na vida. por conta da minha bobeira. da minha vergonha. do meu desejo de predominar a situacao. eu nao sei se o gilberto saiu da escola por causa disso. ou se ele simplesmente se mudou. eu nao sei se ele sofreu. se ele se sentiu mal. ou quantas vezes ele sentiu-se mal, por conta da minha atitude equivocada. eu tinha nove anos. e a dor nao passou. porque eu nao sei as consequencias que isso teve de verdade na vida dele. eu sei das consequencias que teve na minha. eu senti. no fundo da minha alma. e eu nunca mais vi o gilberto. nunca cruzei com ele na cidade. nem em nenhuma festa juvenil. nao tinha foto do gilberto. e nao tenho ideia de como ele seja hoje em dia. i wonder. o que sera que aconteceu com voce gilberto, depois que voce saiu daquele portao verde de madeira, no ultimo dia de aula, em dezembro? e a gente nem se despediu. deixei a cidade sem saber quem o gilberto era. e senti muito. senti culpa. senti remorso. senti incompreensao. gilberto sofreu por um ano as consequencias daquele meu amor mal resolvido. porque nao deixei o gilberto gostar de mim? nao sei. queria pedir desculpas, gilberto. por mim. pela sociedade. pela falta de compreensao que temos, em nossa cultura, do amor. peco desculpas a voce, por nao ter respeitado seus sentimentos. e nem apreciado sua presenca. espero, sinceramente, que seu coracao de crianca, tenha feito voce esquecer das coisas crueis que a minha pessoa de crianca disse pra voce. eu me arrependi profundamente. e ainda penso em ti com dor. eu nao sei o sobrenome do gilberto. eu nao sei se ele tem facebook. se mora em taubate. em guararema. ou no meio da india. espero que ele esteja feliz.

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